Enap: Covid-19 – Mitigação dos efeitos de longo prazo

12 de outubro de 2020 - 6 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

Tags: Avaliação Educação Monitoramento Pobreza e desigualdade saúde Trabalho e renda Violência

Dois anos após o surto de gripe espanhola em 1918, uma das mais mortais pandemias que assolaram o planeta em tempos modernos, houve aumento na taxa de mortalidade infantil e na taxa de natimortos verificadas no estado de São Paulo. Vinte anos depois foi registrado crescimento de 33% de internações em hospitais devido a doenças respiratórias.

Este é apenas um dos exemplos de efeitos de longo prazo de impactos na população e na economia produzidos por choques exógenos como epidemias e desastres naturais, tema do estudo Covid-19: mitigação dos efeitos de longo prazo, produzido pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), de autoria de Daniel Lopes, Vittorio Leite, Claudio D. Shikida e Leonardo Monasterio, e recomendado no repositório digital do Monitor de Evidências da Covid-19 do FGV EESP Clear.

O levantamento considerou o conhecimento produzido nos últimos 20 anos sobre as consequências de eventos dessa magnitude, com o objetivo de reunir, sintetizar e fornecer evidências para o desenho, monitoramento e a avaliação de políticas públicas para agentes, gestores e tomadores de decisão, centrando foco no impacto de médio e longo prazos em cinco diferentes áreas: educação, trabalho e renda, pobreza e desigualdade, saúde e violência.

Ao propor rumos para a mitigação dos efeitos de longo prazo da covid-19, o estudo ressalva que embora o impacto desses choques sobre diversas áreas seja amplo e transmitido através de múltiplos canais, “as estratégias de mitigação, de fato, não costumam ser igualmente diversas, em particular aquelas focadas nos efeitos persistentes e de longo prazo”.

Para tanto e para cada uma das cinco áreas avaliadas, traz exemplos e evidências diversas de experiências ocorridas em países como Estados Unidos, Alemanha, Grécia, Tailândia e Reino Unido, considerando a epidemia da gripe suína, furacões, inundações, reformas e outros choques.  Em comum, as evidências apontam que os efeitos de longo prazo decorrentes do choque inicial podem durar décadas. Ademais, esses efeitos amplificam as desigualdades já existentes, tornando o papel do governo e das famílias ainda mais importante na recuperação pós-desastre.

Saúde

A saúde pública é a primeira área a ser atingida em choques exógenos, em especial na atual pandemia, com efeitos sobre a gestação por muitas gerações após o evento. Examinando o efeito do terremoto de Gujarate (Índia) em 2001 nos resultados reprodutivos, por exemplo, estudo aponta que o terremoto, que matou mais de 20 mil pessoas, feriu outras 167 mil e causou perdas maciças em propriedades e equipamentos públicos, levou a aumentos significativos nas taxas de parto e também reduziu o intervalo de gravidez entre mulheres sem instrução.

O estudo da Enap também cita revisão de literatura dos efeitos da quarentena da covid-19 sobre questões psicológicas, apontado sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva, que podem ser potencializados por questões de insegurança quanto à duração do tempo de quarentena, medo de contágio, dificuldade de obter informações precisas e questões financeiras. A partir dos exemplos avaliados, os autores ressaltam a importância da adoção medidas de mitigação da crise de saúde, evitando ainda maiores malefícios em períodos posteriores.

Educação

Os impactos de desastres naturais no desempenho estudantil são variados, com consequências no desempenho acadêmico de longo prazo e o acesso ao ensino superior de estudantes afetados. Para aqueles nos Estados Unidos que foram forçados a mudar de escola devido aos furacões Katrina e Rita, em 2005, foi verificada queda acentuada nas notas dos testes no primeiro ano após os furacões.

Há evidência dos impactos das epidemias e desastres naturais, tanto no curto quanto longo prazo, quase sempre com efeitos heterogêneos e negativos adversos no desempenho escolar, aponta a Enap, acrescentando que estudantes expostos ao choque também possuem menor chance de concluir o ensino médio. Já o acesso ao ensino superior, por outro lado, mostra resiliência, com efeitos relevantes apenas no tempo de graduação, com alunos demorando mais tempo para se formar.

Trabalho e renda

Um dos impactos imediatos de um desastre ou de um problema de saúde generalizado é a mudança na produtividade e no emprego, com possível avanço do desemprego, dado que a sociedade diminui suas atividades em função das medidas protetivas e de prevenção, como o isolamento social.

Entre as medidas de mitigação recomendadas estão ações de proteção aos trabalhadores para minimizar os efeitos diretos do vírus, priorizando as indicações de segurança e saúde no trabalho, e incentivo à flexibilização da forma de trabalho, adotando métodos à distância como o home office.

Conforme o cenário econômico se recupere, o estudo sugere esforços para proteger o emprego e a renda de empresas e trabalhadores afetados pelos efeitos indiretos, como fechamento de fábricas, interrupção de cadeias de suprimentos, proibição de viagens, cancelamento de eventos públicos.

Pobreza e desigualdade

Há, também, implicações sobre a pobreza e desigualdade nos choques exógenos avaliados. Segundo o estudo, a porção social mais desprotegida em um momento de choque adverso tem uma mortalidade maior e sofre impactos que amplificam suas vulnerabilidades.

Na Suécia, análise de diferentes taxas de contágio da gripe espanhola (1918) para comparação de longo prazo destacou que embora o impacto sobre os rendimentos e retornos sobre capital tenha sido insignificante, houve um aumento de 10% na pobreza.

Segundo o estudo da Enap, políticas de mitigação podem ser aplicadas já no curto prazo após um desastre para diminuir efeitos prolongados que acabam por prejudicar a renda, o consumo e aumentar desigualdades, na intenção de dar suporte inicial para que a volta à normalidade seja atenuada.

Violência doméstica

O nexo causal entre violência doméstica e pandemias se dá de duas maneiras, ponderam os autores. Primeiro, pela interrupção da fonte de renda e da perda de bens materiais. Mesmo entre aqueles que não foram atingidos pelo choque de renda, as medidas de distanciamento social, como a quarentena ou lockdown, modificam instantaneamente a conjuntura familiar, por vezes obrigando uma vítima potencial a ficar isolada com seu agressor.

Os efeitos de desastres também geram insegurança e fragilidades, prejudicando a saúde mental de quem passa por essas situações com um aumento de estresse e ansiedade. Em conjunto com a perda de bens e dificuldades de moradia, existem situações de risco que aumentam a violência doméstica. O método mais eficiente de mitigação dos efeitos da violência doméstica durante e após choques exógenos, e considerando esta um problema de saúde pública, consite na adoção de políticas de intervenção que atuem na prevenção, acompanhamento, assistência e tratamento de vítimas e agressores. “Os esforços devem ser no sentido de aumentar o acesso a esses serviços, além de ampliar sua divulgação”.

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