Avaliar para adaptar: a experiência alemã na adaptação à crise climática
Beatriz Burattini é mestre em Política Social e Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science e graduada em Estudos Internacionais pela Universidade de Leiden. Atua na equipe de Assistência Técnica do FGV CLEAR desde 2024.
A crise climática é uma realidade do presente, impactando nossas vidas de formas cada vez mais visíveis, como durante as enchentes no Brasil em 2024 e na Alemanha, em 2021. O monitoramento e a avaliação (M&A) desempenham um papel crucial para enfrentar este desafio, pois oferecem ferramentas para medir o progresso e ajustar estratégias de adaptação climática.
O caso da Estratégia Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (DAS) da Alemanha oferece um exemplo prático de como o M&A pode ser integrado a políticas públicas para lidar com a crise climática.
A Alemanha instituiu a DAS em 2008 com o objetivo de prever riscos climáticos e desenvolver planos de ação para mitigar seus impactos. A Estratégia é implementada por uma rede de 28 autoridades federais, incluindo órgãos como a Agência Federal do Meio Ambiente (UBA), o Instituto Federal de Pesquisas Edificais, Urbanas e Espaciais (BBSR) e a Agência Federal de Assistência Técnica (THW).
Desde 2009, o Grupo de Trabalho Interministerial sobre Adaptação (IMAA) gerencia a implementação da DAS. Coordenado pelo Ministério Federal do Meio Ambiente (BMU), este grupo conta com a participação de quase todos os ministérios e promove a coordenação entre o governo federal e os estados por meio do Comitê Permanente de Adaptação às Mudanças Climáticas (StA AFK), no âmbito da Associação de Trabalho União-Estados para o Clima e Sustentabilidade (BLAG KliNA).
Uma das responsabilidades deste Grupo de Trabalho Interministerial é o M&A da DAS, o qual apresentaremos a seguir.
Marco legal do monitoramento e avaliação da DAS
A Lei Federal de Adaptação Climática de 2023 estabelece uma série de metas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Cada meta deve possuir no mínimo um indicador e ações federais definidas para seu alcance. Além disso, medidas no nível estadual devem ser recomendadas e um mecanismo para avaliar o progresso em relação às metas deve ser desenvolvido.
A lei também estabelece a necessidade da participação popular e estadual durante a definição das metas da DAS, bem como de cada ministério afetado pela meta definida. Em relação ao último ponto, cabe ao ministério federal responsável por cada meta consultar os ministérios afetados.
A fim de possibilitar o M&A da DAS, a lei exige a coleta contínua de dados sobre os custos dos danos atribuíveis a eventos climáticos extremos e as despesas federais para a adaptação climática. Além disso, estados e municípios devem relatar dados climáticos e atividades no âmbito da adaptação climática para o governo federal.
A figura abaixo ilustra o fluxo do M&A da DAS. Os relatórios de progresso reúnem diferentes tipos de estudos com ênfases em diversas etapas da implementação da DAS, como a análise de riscos, o planejamento das ações tomadas, bem como M&A propriamente dito.
Ferramentas e metodologias de monitoramento da DAS
Relatórios de monitoramento devem ser publicados pelo governo federal no mínimo a cada 4 anos, sempre num intervalo de tempo razoável antes de introduzir estratégias preventivas de adaptação climática. Estes relatórios devem servir como base para avaliar o progresso da DAS em relação às suas metas. Caso entraves sejam identificados, as metas e ações devem ser revistas antes da atualização da estratégia.
Os relatórios de monitoramento fornecem uma visão geral dos impactos observados das alterações climáticas e das medidas de adaptação já implementadas na Alemanha. Esses relatórios fornecem uma base de indicadores previamente acordados pelo IMAA sobre as mudanças climáticas e suas consequências.
O Sistema de Indicadores de Monitoramento DAS é composto por 105 indicadores, divididos em:
- 56 indicadores de impacto, que descrevem os efeitos das mudanças climáticas.
- 44 indicadores de resposta, ou seja, de atividades, que avaliam as medidas e as ações de adaptação.
- 5 indicadores transversais, que abrangem várias áreas de ação.
Esses indicadores são organizados em 8 agrupamentos temáticos, com subgrupos que cobrem diferentes aspectos temáticos da adaptação climática em toda a Alemanha. A análise das diferenças regionais é feita em casos específicos, usando estudos de caso para preencher lacunas de dados nacionais sobre aspectos temáticos.
Ferramentas de avaliação da DAS
Uma Análise de Riscos Climáticos deve ser realizada a cada 8 anos pelo governo federal, com base em dados científicos e com o intuito de publicar os resultados. O foco desta análise é evidenciar os diferentes riscos climáticos nas diversas regiões da Alemanha. Para isso, esta análise investiga diferentes áreas de ação individualmente e como estas interagem.
Através desta análise, devem ser identificadas opções para adaptação e o quanto estas podem mitigar os impactos das mudanças climáticas. Para que estados e autoridades locais também possam realizar este tipo de análise, o governo federal deve disponibilizar os dados necessários, bem como documentação técnica como guias metodológicos.
Já a Análise de Impactos Climáticos e Vulnerabilidade (KWVA) identifica as áreas e regiões mais vulneráveis aos riscos climáticos, utilizando períodos de referência como o presente, o futuro próximo (2031-2060) e o futuro distante (2071-2100). Realizada pela primeira vez em 2015, essa análise fundamenta os Planos de Ação e é realizada por uma rede de órgãos federais.
Os produtos entregues pela DAS passam por uma Avaliação de Processo e Implementação baseada em uma metodologia aprovada pelo IMAA. Esses relatórios de avaliação são utilizados para revisar o progresso da implementação da Estratégia e para definir os próximos passos, ajustando as medidas conforme necessário. A primeira avaliação externa foi realizada em 2018.
Metodologias de avaliação da DAS
A avaliação da DAS possui vários objetivos:
- Reconhecimento: identificar as informações sobre o processo da Estratégia.
- Controle: avaliar a implementação das medidas acordadas.
- Aprendizado: identificar forças, oportunidades e obstáculos, bem como promover a transparência.
- Legitimidade: garantir a legitimidade do processo.
A avaliação deve seguir uma metodologia replicável para possibilitar que seja realizada regularmente, e é orientada pelos dados coletados ao longo do processo da DAS. Ela é dividida em dois níveis:
- Estratégico, focado no desenvolvimento e aprimoramento da DAS;
- Operativo, focado na implementação, especialmente no plano de ação para adaptação climática.
Cinco perguntas avaliativas centrais norteiam esta avaliação, com foco em áreas-chave como vulnerabilidade, condições de trabalho no processo de adaptação, ancoragem da adaptação, responsabilidade cidadã e status de implementação do plano de adaptação vigente. Cada pergunta é desdobrada em critérios e subcritérios, para análise detalhada.
A análise dos dados é feita por meio de uma matriz analítica, que associa indicadores às perguntas avaliativas, bem como a seus subcritérios e métodos de coleta de dados. Para garantir a objetividade, são estabelecidas categorias de avaliação, que definem o que constitui uma ‘realização bem-sucedida’ de cada subcritério através de valores mínimos que devem ser alcançados e outros critérios de sucesso. Essas categorias podem ser ajustadas em análises subsequentes com base nos resultados da avaliação.
Os achados da avaliação são validados com membros do Grupo de Trabalho Interministerial e do Comitê Permanente. É aplicado um questionário iterativo e sistemático para alcançar consenso entre os stakeholders, garantindo que as conclusões sejam robustas e bem fundamentadas.
Conclusão
Este processo contínuo de M&A permite à Alemanha monitorar e ajustar suas políticas de adaptação climática regularmente, promovendo um aprendizado constante e uma abordagem flexível para enfrentar os desafios da crise climática.
A abordagem estruturada da DAS demonstra como um sistema abrangente de indicadores, análises regulares de riscos e avaliações detalhadas podem não apenas medir o progresso, mas também orientar ajustes estratégicos. O compromisso com a coleta contínua de dados, participação dos stakeholders e aprendizado constante reforça a legitimidade e a eficácia das políticas implementadas.
O modelo alemão destaca-se como um exemplo de como enfrentar os desafios climáticos com adaptabilidade, promovendo uma gestão pública orientada por evidências e alinhada às necessidades atuais e futuras.
Referências
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