Economia comportamental, Brasil e África: semelhanças e diferenças no combate à covid-19

02 de julho de 2020 - 7 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

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As respostas dos governos brasileiros à disseminação da covid-19 e os relaxamentos de políticas de distanciamento social atendem os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS)? E em países africanos, há efeitos econômicos e respostas diferentes? Quais tendências de comportamento estão afetando as decisões e ações que tomamos durante o isolamento e a pandemia?

Quatro materiais que o Monitor de Evidências Covid-19 recomenda aqui apontam respostas para as perguntas acima. A Escola de Governo Blavatnik da Universidade de Oxford, na Inglaterra, reuniu informações sobre as políticas de respostas federais, estaduais e municipais utilizando o sistema de codificação de dados da instituição (OxCGRT) e entrevistas telefônicas com mais de 1,6 mil pessoas em oito capitais para avaliar se as medidas governamentais adotadas em resposta ao novo coronavírus no Brasil atendem aos critérios da OMS para flexibilização de restrições.

Segundo a pesquisa, 95% dos entrevistados, moradores das cidades de Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo apresentam algum tipo de deficiência no entendimento sobre como realizar o distanciamento social, 57% das pessoas consideraram equivocadamente que “você pode se comportar como pessoas que não estão se isolando, mas deve tentar não tocar em outras pessoas” e 69% indicaram equivocadamente que o auto-isolamento significa que “você pode se comportar como pessoas que não estão se isolando, mas deve usar uma máscara”.

Apenas 5% das pessoas do universo total de entrevistados relataram terem sido testadas para a covid-1. Em média os resultados dos testes levaram 5,9 dias para serem conhecidos, o que excede a recomendação da OMS de que a resposta seja dada após um dia. Apenas 15% daqueles que testaram positivos foram re-testados, enquanto a OMS recomenda tal procedimento como rotina para estabelecer a ausência de carga viral. Entre as pessoas que relataram terem tido pelo menos um sintoma da covid-19, 13% disseram que tentaram fazer um teste, mas não conseguiram. “De fato, o único fator que prevê significativamente a realização de um teste é ter uma renda mensal de pelo menos 10 vezes o salário mínimo”, indica o estudo.

A falta de informações e de testes massivos são apenas dois dos seis critérios da OMS não atendidos pelo Brasil para efetivar o relaxamento de políticas de distanciamento. A ampliação do isolamento social também seria necessária para uma eventual adoção da reabertura. Aproximadamente 13% das pessoas relataram não terem saído de casa durante as duas semanas anteriores à entrevista, um pouco menos que os 16% que saíram de casa todos os dias.

news 4_print africa 2_menorEm Angola, país africano afetado fortemente pelo novo coronavírus, o artigo Efeitos Econômicos e Sociais do Confinamento Social em Angola: resultados preliminares, da Revista Dados, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), aborda impactos do isolamento social no país luso-africano, fazendo uma breve descrição da evolução da doença no país e do modo como o governo angolano tem respondido à crise. Em reação aos primeiros casos de covid-19, foi decretada a proibição da entrada de pessoas provenientes dos países mais afetados. Num segundo momento, com um aumento dos casos no país, foram fechadas todas as fronteiras marítimas e terrestres, ao mesmo tempo em que um programa de transferência de renda e proteção social era implementado.

A partir de dados obtidos por pesquisa com mais de 1,2 mil respondentes, o estudo procurou também perceber os efeitos e eventuais mudanças que o confinamento produziu em cinco diferentes dimensões: práticas de consumo, ocupação do tempo, relações familiares e sociais, uso dos serviços públicos e perfil de procura e acesso à informação. Os resultados apontam que 91% dos que responderam alteraram as suas formas de ocupação do tempo, 87% assumiram mudanças na rotina de seus trabalhos, 81% alteraram práticas de consumo e 80% alteraram as formas de relação familiares e sociais.

A pesquisa também aponta casos extremos: 86% declararam obedecer rigorosamente às restrições de mobilidade determinadas, 91% assumiram que lava sempre as mãos, mas apenas 47% usam máscaras faciais com frequência. Ao mesmo tempo 91% dos entrevistados afirmaram que alteraram suas formas de ocupação do tempo, mas somente 65% alteraram os perfis de procura e os meios de acesso à informação. As práticas de consumo também apontam comportamentos semelhantes, sendo que 93% dos entrevistados afirmaram reduzir a frequência de deslocamentos para compras, mas apenas 50% declararam ter diminuído as compras de bens e serviços.

Em Angola, a pandemia apontou novas percepções do trabalho, ocupação do tempo, hábitos de consumo e comportamentos. Houve “reconfigurações das relações familiares e sociais” e “revalorização da saúde como variável central da qualidade de vida”, conclui, entre outros pontos, o levantamento.

Durante a pandemia nos países africanos houve uma perda de recursos generalizada e significativa com desaceleração da atividade econômica, indica o Banco de Desenvolvimento Africano (AFDB) em uma página em seu site, elencando ações de dezenas de países a partir de operações da instituição financeira. Lá é possível verificar que o Produto Interno Bruto (PIB) africano poderá sofrer uma queda de US$ 22 bilhões a US$ 88 bilhões devido à pandemia do novo coronavírus.

Tanto em países africanos quanto no Brasil a pandemia alterou comportamentos em diferentes áreas de maneira transversal, mas é possível analisar os vieses de comportamento e utilizá-los para melhorar a eficiência das decisões dos gestores de políticas públicas, dos materiais de divulgação e das ações contra a pandemia. Essa é a proposta da economia comportamental, conforme propõe o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no estudo “A economia do comportamento pode ajudar a combater o coronavírus”.

A nota política do BID descreve vieses de comportamento medidos durante a crise sanitária e princípios da economia comportamental e apresenta também guias práticos e infográficos prontos para serem usados por lideranças governamentais e gestores públicos na luta contra a pandemia do novo coronavírus.

news 4_print BIDEconomia comportamental é um campo do conhecimento que permite a adoção de intervenções simples e de baixo custo por governos a partir da análise de vieses de comportamento, que são desvios sistemáticos do comportamento racional, com reflexos nas ações individuais e coletivas que, se considerados e avaliados, podem auxiliar gestores de políticas públicas a ampliar a eficácia das tomadas de decisão no combate à pandemia.

Exemplos de vieses de comportamento apontados pelo estudo: excesso de confiança, que é a tendência a superestimar ou exagerar nossa capacidade para realizar de maneira satisfatória uma determinada tarefa; enquadramento, que é a tendência a tirar conclusões diferentes dependendo de como as informações são apresentadas; e saliência (avalia o momento de entrega da mensagem desejada, onde e qual conteúdo ela carrega).

O viés do status quo, em outro exemplo citado pelo estudo, dificulta  a  mudança  do  hábito  das pessoas de lavar as mãos ou trabalhar e estudar em casa. Os vieses do excesso de otimismo e da disponibilidade podem estar levando os jovens a subestimar sua probabilidade de adoecer e morrer. Sobrecarga cognitiva, fadiga de decisão subsequente dos pais, que tentam equilibrar trabalho, família e lazer, podem levá-los a esquecer coisas tão simples como lavar as mãos ou tossir no antebraço.

A boa notícia, segundo o estudo, é que esses erros são sistemáticos. É possível corrigi-los com intervenções simples que reorientam decisões na direção desejada. Na produção de materiais de comunicação sobre a doença que sejam mais eficientes, há indicação de como desenhar mensagens sobre políticas públicas com recomendações para a comunicação, tais como: simplicidade, clareza e precisão das informações disseminadas, especialmente em relação a dados estatísticos, para reduzir interpretações equivocadas e crenças falsas que sejam difíceis de mudar; reiteração e repetição das informações disseminadas para minimizar a incerteza; e coordenação entre os níveis de governo e entre órgãos públicos e ministérios de uma mesma administração.

O estudo do BID traz infográficos com exemplos de materiais já desenvolvidos e funciona como um guia prático abrangente com ferramentas de planejamento para aumentar a adesão às medidas sanitárias, indicando etapas para a definição de ações e políticas públicas, como identificação do problema, diagnóstico de comportamentos, desenho de intervenções e modos de avaliação de impactos das políticas adotadas.

Cada um dos conteúdos mencionados aqui foram destaque da quarta edição da newsletter do Monitor de Evidências Covied-19 do FGV EESP Clear. Eles também estão disponíveis no repositório online do monitor. Clique aqui para conhecer.

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