The New England Journal of Medicine: Reabrindo escolas primárias durante a pandemia

31 de agosto de 2020 - 7 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

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A questão de se e como reabrir escolas em meio à pandemia de covid-19 desafia gestores e tomadores de decisão no Brasil e no mundo aforaNão é apenas uma questão científica e tecnocrática, mas também moral e emocional pois nosso senso de responsabilidade com as crianças é central para nossa humanidade. O fechamento de escolas deixou mais evidentes desigualdades raciais, sociais e econômicas, com crianças e famílias historicamente marginalizadas – e seus educadores – como os mais afetados.  

Por todas essas razões, decisões sobre reabertura de escolas continuarão complexas e contestadas, apontam os autores do artigo Reabrindo escolas primárias durante a pandemia (Reopening primary schools during the pandemic), publicado na edição de agosto do The New England Journal of Medicine, e recomendado pelo FGV EESP Clear no repositório do Monitor de Evidências Covid-19 – clique aqui para acessar o material. 

Utilizando-se principalmente de dados do universo escolar dos Estados Unidos como referência primária, o artigo também inclui referências à reabertura de escolas em países como Holanda, Israel, Taiwan e Nova ZelândiaMeira LevinsonMuge Cevik e Marc Lipsitch defendem que as atividades presenciais são insubstituíveis no aprendizado, especialmente de crianças nas escolas primárias e que os distritos educacionais americanos devem adotar medidas de redução ou eliminação do contágio para reabrir totalmente as escolas com atividades presenciais a partir de setembro de 2020 

site_aluno com máscara_pequenoDado os altos níveis de transmissão comunitária em muitas regiões nos Estados Unidos,  pais e educadores estão preocupados sobre a segurança de estudantes, trabalhadores e familiares em caso de reabertura em larga escala das escolasContágio é uma preocupação particular em escolas que atendem predominantemente comunidades de baixa renda, considerando que elas com frequência são superlotadas e com número insuficiente de trabalhadores de apoio àcrianças e suas famílias, principalmente aquelas sob maior risco de contrair covid-19. Seria melhor, e evidências de diferentes países demonstram ser possível, baixar as taxas de transmissão por meio de medidas de restrição neste verão para que as escolas possam reabrir no outono com um nível aceitável de segurança, avaliam os autores 

“Mesmo em condições moderadas de transmissão (mais de 10 casos por 100.000 pessoas), entretanto, acreditamos que as escolas primárias devam ser reconhecidas como serviços essenciais — e os trabalhadores das escolas como trabalhadores essenciais  e que os planos de reabertura de unidades escolares devam ser desenvolvidos e financiados de acordo com essas necessidades”, destacam os pesquisadores no artigo. O texto se dedica em boa parte a elencar razões por que as aulas presenciais importam, ressaltando aspectos pedagógicos e socioeconômicos das escolas e seus ambientes 

O estudo informa que crianças perdem aprendizados acadêmicos, sociais e emocionais, relacionamentos formativos com outras crianças e adultos, oportunidades para brincar e outros desenvolvimentos essenciais quando são mantidas em casa, sendo que crianças vivendo na pobreza, negras, com necessidades especiais e as muito novas são especialmente afetadas pelo fechamento das escolas.  

Os benefícios presenciais das escolas, como os serviços sociais oferecidos, auxiliam a saúde de comunidades norte-americanas que se tornaram vulneráveis por causa do racismo sistêmico, segurança inadequada, instabilidades familiares, poluição ambiental e trabalhos mal remunerados. Mais de 50% das crianças em idade escolar dos EUA recorrem às suas escolas para refeições diárias gratuitas ou a preço reduzido.  

Alguns distritos escolares estão desenvolvendo planos híbridos de aprendizado para o retorno às aulas que trazem de volta aos prédios escolares grupos de estudantes sob estritas condições de distanciamento social. Apesar de alguma atividade escolar presencial ser melhor do que nenhuma”, avaliam os autores, “para as escolas primárias em particular esses planos podem conseguir pouca coisa a mais na comparação com um aprendizado completamente remoto. Milhões de crianças continuarão excluídas do aprendizado nos dias em que tiverem aulas de modo virtual devido a desafios no acesso digital ou falta de apoio de um adulto em tempo real.  

Apesar dos argumentos favoráveis, o risco de contágio deve ser ponderado. Surtos de transmissão em escolas secundárias na França, Nova Zelândia e Israel não se espalharam para escolas primárias próximas, o que sugere que a susceptibilidade, a taxa de infecção ou ambos são menores entre as crianças mais novas.  

Quando as escolas na Holanda reabriram em abril o tamanho das turmas foi cortado pela metade, mas não foi reforçado o distanciamento entre estudantes menores de 12 anos. Posterior relaxamento de restrições foi adotado para todos os menores de 17 anos. As escolas primárias holandesas retornaram a sua capacidade plena e aulas integrais no início de junho. Apesar de tanto o estafe quanto as crianças com alto risco de contaminação ou com parentes de alto risco terem sido liberadas de retornos presenciais às escolas, a maior parte das crianças e educadores retornaram. A taxa de casos de covid-19 permaneceu estável até o momento. 

O número de casos continuou a diminuir na Dinamarca, que reabriu suas escolas elementares em abril e escolas fundamentais e densino médio em maio sob regras estritas de distanciamento social. A reabertura de escolas também não aumentou as taxas de contaminação em Taiwan, Finlândia, Bélgica, Áustria e Singapura, apesar das precauções extras tomadas e estarem lentamente retirando restrições para atividades de grupo e aumentando os seus tamanhos. Israel, entretanto, oferece um contra-exemplo, por conta de um recente ressurgimento nos casos que pode estar relacionado à reabertura de escolas em maio, com salas cheias e precauções mínimas.  

Notadamente, a maior parte dos países (exceto Israel) com escolas abertas já tinham alcançado baixas taxas de transmissão comunitária (menos de um caso novo por dia a cada 100 mil habitantes) e se focaram em manter os níveis de infecção entre a população sob controle. Taiwan manteve, com sucesso, suas escolas abertas durante toda a pandemia ao manter as taxas de infecção em níveis baixos. Holanda tem sido bem sucedida sem uso de máscara ou distanciamento social entre crianças, presumivelmente devido às baixas taxas de transmissão comunitária.  

escola fechada 1Os autores então destacam os efeitos da reabertura para as políticas educacionais norte-americanas, salientando que o modo mais seguro de reabrir totalmente as escolas é reduzir ou eliminar a transmissão comunitária ao mesmo tempo em que se aumenta a testagem e o acompanhamento. Entretanto, apontam, “distritos e estados que se recusem a implementar essas medidas essenciais de saúde pública enfrentam um profundo dilema moral e social: como ponderar os riscos conhecidos para crianças, famílias e sociedade em fechar os prédios escolares ou operar com capacidade reduzida frente aos riscos desconhecidos de abrir as escolas quando o vírus ainda circula a uma taxa moderada ou alta de contágio.  

“Esse dilema é exacerbado pelas segregações raciais e injustiças de classe: reabrir escolas que servem às populações mais pobres e predominantemente minoritárias implica maiores riscos para a segurança das famílias e dos educadores, mas o fechamento atual também impõe grandes danos.”  

Os autores apontam a preocupação de que os Estados Unidos tenham adotado um caminho que necessita de uma escolha entre os riscos para educadores e os danos aos estudantes, dado o sucesso de outros países em reduzir a transmissão e reabrir escolas com medidas rotineiras de controle adotadas. “Este dilema representa um fracasso social e de políticas, não uma necessidade médica ou científica”.  

Para reabrir muitas escolas terão que adaptar suas estruturas físicas e sociais, o que vai requerer fundos federais para melhorar a ventilação, sanitização, enfermarias, banheiros e locais para lavar as mãos. “Essas melhorias são necessárias há tempos, independentemente da covid-19, e elas são investimentos na igualdade educacional e de oportunidades”, concluem os autores.

O Ministério da Educação britânico atualizou recentemente suas normas de reabertura escolar. Assim como este estudo americano, as regras do governo do Reino Unido também estão em destaque no repositório do Monitor de Evidências Covid-19.

escola ukVisite a página do Monitor de Evidências Covid-19 e confira na íntegra este estudo do Banco Mundial e outras dezenas de conteúdos qualificados sobre políticas públicas baseadas em evidências no contexto da atual pandemia. O FGV EESP Clear assina a curadoria desse projeto. 

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