“O desenho da avaliação deve incorporar perspectivas de gênero e de relações de poder”
A avaliação participativa pode catalisar mudanças importantes e sustentáveis, funcionando como uma ferramenta para decisões baseadas em evidências. O comentário é da socióloga Claudia Olavarria, consultora da Global Evaluation Initiative (GEI) e especialista no uso de métodos que integram questões de gênero e direitos humanos à avaliação participativa.
Neste terceiro e último texto da série sobre avaliação participativa, Claudia fala ainda sobre o desafio desse tipo de avaliação em nível nacional e de como o tema se relaciona com gênero e direitos humanos. Confira abaixo:
CLEAR: Em suas apresentações, como em um recente webinar da gLocal, você costuma dizer que as avaliações participativas têm um impacto transformador. Em que sentido?
Claudia: Quando refletimos sobre o poder transformador das avaliações, nos referimos à forma como elas podem – e deveriam – ser sempre uma ferramenta para a tomada de decisões voltada para processos transformadores. Entendemos essa transformação como a oportunidade de a avaliação catalisar as mudanças necessárias para enfrentar os desafios mais importantes do desenvolvimento, garantindo que essas mudanças sejam sustentáveis.
Esse processo, que parece simples, não é trivial e pode ocorrer de diferentes formas, como o desenho de uma nova política ou programa baseado em evidências, um ajuste de rota dentro de uma organização implementadora, propostas parlamentares, uma resposta institucional a uma demanda cidadã, entre muitas outras possibilidades.
A avaliação participativa tem um potencial excepcional para catalisar processos de transformação, não apenas por meio do uso dos resultados como insumo para a tomada de decisões, mas também por meio de processos participativos que colocam as pessoas envolvidas no centro da reflexão sobre o que funciona e o que não funciona nos esforços para melhorar a vida das pessoas nos territórios.
As avaliações participativas promovem o fortalecimento de capacidades, a articulação e o empoderamento das pessoas envolvidas, de suas comunidades e de suas organizações. Assim, a participação ativa e significativa em avaliações fomenta a apropriação local das intervenções voltadas para o desenvolvimento e o fortalecimento de agentes de mudança, que impulsionam esses processos de transformação a partir da sociedade civil.
Normalmente, a avaliação participativa se concentra na comunidade local. É possível realizar esse tipo de avaliação em projetos nacionais?
É verdade que, devido às características de uma avaliação participativa, que exige o envolvimento de diversos atores em um processo crescente de participação, a maioria dessas avaliações é realizada em nível local ou comunitário, alinhada ao alcance das intervenções avaliadas. No entanto, é possível realizar processos participativos com o envolvimento significativo de múltiplos atores em outros níveis, como o nacional.
Isso requer a criação de canais e espaços que permitam a participação ativa de pessoas de territórios mais distantes, o que pode ser desafiador devido à dificuldade de organizar momentos e locais para encontros. Porém, é uma meta alcançável e, na minha perspectiva, vale o esforço adicional para promover espaços e canais que possibilitem uma participação mais ampla. A pandemia nos mostrou como os meios virtuais podem apoiar essa tarefa de maneira eficiente, desde que se leve em conta a necessidade de garantir uma participação ampla e diversa, incluindo aqueles que podem não ter acesso a espaços virtuais.
Com base na minha experiência, é possível e desejável realizar avaliações participativas até mesmo de políticas nacionais, desde que haja um grupo comprometido de pessoas dispostas a investir seu tempo e esforço no processo e que a organização responsável esteja preparada para conduzir o trabalho com os tempos, custos e compromissos necessários.
Poderia nos contar alguma de suas experiências práticas com a avaliação participativa?
Um processo de avaliação participativa que me marcou profundamente foi realizado com uma comunidade rural na região do Maule, no Chile. Nesse contexto, acompanhei a implementação de um projeto de fortalecimento de capacidades de irrigação, que complementou a construção de grandes obras de infraestrutura hídrica em uma pequena comunidade, que enfrentava os efeitos das mudanças climáticas.
Juntos, desenhamos e implementamos uma avaliação participativa do processo, que a comunidade utilizou para pressionar por novas obras necessárias na época e que, hoje, são uma realidade. Trabalhamos com essa comunidade por cerca de dois anos, tanto no acompanhamento do projeto quanto na realização da avaliação participativa.
Esse processo completo permitiu construir confiança, promover aprendizado coletivo, identificar oportunidades e observar como a comunidade se apropriou do projeto e se empoderou como agente de mudança em seu território, estabelecendo alianças institucionais. Nesse contexto, a avaliação desempenhou um papel fundamental como evidência para impulsionar as mudanças necessárias.
Um dos seus temas de interesse, além de sua especialidade, é a interseção entre avaliação participativa, questões de gênero e direitos humanos. Como esses temas se conectam? De que forma esse enfoque é desenvolvido?
A avaliação participativa está intimamente ligada ao uso das abordagens de gênero e direitos humanos, e minha recomendação é sempre utilizar essas abordagens de forma conjunta, devido à sua coerência e alinhamento. A relação é bastante simples no sentido de que a participação, como direito das pessoas, está consagrada em diversos instrumentos de direitos humanos e é, ao mesmo tempo, um caminho para cumprir os compromissos assumidos pelos Estados em termos de direitos humanos e para avançar em direção ao desenvolvimento sustentável sem deixar ninguém para trás. Nesse ponto, a avaliação desempenha um papel particular.
O uso das abordagens de gênero e direitos humanos implica elevar a qualidade com que avaliamos, garantindo que as questões de gênero e direitos humanos estejam no centro da análise e da comunicação dos resultados, promovendo processos transformadores para reduzir as desigualdades.
Isso significa que o desenho da avaliação, tanto em termos metodológicos quanto em seus processos de gestão, deve sempre incorporar uma perspectiva de gênero e das relações de poder. Além disso, deve buscar, dentro das oportunidades oferecidas por um processo avaliativo, implementar e recomendar ações que promovam o empoderamento e a redução de desigualdades.
Quer saber mais sobre avaliação participativa? Confira também a entrevista com Pablo Bilella, coordenador da Eval Participativa, e o artigo de Nicole Mourad Pereira e Priscilla Bacalhau, ambas pesquisadoras do FGV Clear.