O papel da sociedade civil da África Lusófona no avanço da agenda de M&A

21 de outubro de 2021 - 6 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

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Rodrigo Pedroso, jornalista e mestre em sociologia
Luciano Máximo, jornalista e mestre em políticas públicas
Victor Corrêa, jornalista

Governos têm papel significativo e de decisão para fazer avançar a agenda de monitoramento e avaliação (M&A) de políticas públicas. Mas trata-se de um trabalho que não é feito de forma isolada. Ele pode render mais frutos quando há uma abordagem coletiva, colaborativa. Construir diálogos institucionais e buscar contribuição de legisladores, de universidades, de organismos multilaterais e da sociedade civil em geral só tendem a aprimorar práticas e garantir transparência necessária a esse processo tão importante para o ciclo das políticas públicas.

Nos países da África Lusófona em que o FGV EESP Clear atua não é diferente. Organizações de fora do setor público estão cada vez mais presentes no desenvolvimento do M&A em seus países. Atuam como importante ator na implementação de avaliações em parceria com organizações locais e internacionais e órgãos governamentais, na capacitação de gestores públicos, na promoção de um debate público que contribui para o avanço da agenda e também na cobrança por avanços.

Ventura Mufume, por exemplo, iniciou sua trajetória no setor de M&A em Moçambique em 1992. Atualmente, ele desenvolve três avaliações de políticas públicas em seu país natal para o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), enquanto tenta levar adiante a criação de uma diretriz nacional de práticas unificadas para profissionais, universidades e cursos de M&A de Moçambique, através da Associação Moçambicana de Monitoria e Avaliação (AMMA), na qual atua como presidente da Direção.

Ventura Mufume, avaliador moçambicano que atua para criar uma diretriz nacional de práticas unificadas para as universidades e cursos de M&A do país.

Segundo ele, Moçambique começou a dar seus primeiros passos em M&A no início dos anos 1990, quando adotou os Planos de Ação para a Redução da Pobreza e da Pobreza Absoluta (PARPA). “Depois, o país aderiu aos Objetivos do Milênio da Organização das Nações Unidas, que foi como uma escola para que o governo adotasse as melhores práticas internacionais de medir o seu próprio desempenho. Era comum haver debates, nos quais o governo também participava, sobre negociações para as concessões de apoio ao desenvolvimento, ajuda externa através do Clube de Paris e várias lições que se seguiram depois. Aí o país foi abraçando instrumentos de M&A em que era preciso que o setor público demonstrasse alguma progressão e alcançar ao menos as metas que ele mesmo havia estabelecido”, lembra Mufume, acrescentando que em 2010 o governo moçambicano criou Direção Nacional de Monitoria e Avaliação (DNMA), que funciona no Ministério da Economia e Finanças (MEF).

Com a DNMA, as práticas de M&A em Moçambique ficaram “mais institucionalizadas”, de acordo com Mufume, o que permite maior interação com atores externos. “A sociedade civil, centros como o FGV EESP Clear, tem um papel muito importante, porque Moçambique é um país que assume que precisa aprender, e os moçambicanos não se inibem de aprender quando têm oportunidade. Ultimamente há muita interação do setor privado e organizações não governamentais domésticas com congêneres de fora”, diz Mufume.

Essa ponte construída entre os atores da sociedade civil e governos, complementa o moçambicano, também alcança outros países do continente, fortalecendo o ecossistema de M&A na região. “Na Semana de Avaliação gLOCAL, em junho de 2021, recebemos uma mensagem dos colegas de Cabo Verde nos convidando para assistir à apresentação deles. Isso mostra, primeiro, que eles sabem que existimos e que eles podem contar conosco para absorver o que eles estão elaborando. É normal que Moçambique e Angola não tenham muita interlocução como temos com nossa vizinha África do Sul, por exemplo, que foi uma colônia que fala inglês. Agora, com essa ponte, sentimos que Angola não é tão distante e podemos aprender com eles e eles conosco.”

No cenário de M&A em Cabo Verde, Victor Borges é um nome bastante conhecido e experiente. Com passagens pelo alto escalão do governo do país, onde teve papel de planejador e tomador de decisão, ele é hoje uma voz importante da sociedade civil organizada para promover o uso de evidências e a prática de M&A na gestão pública cabo-verdiana. Fundou o Grupo de Estudos e Reflexão sobre Avaliação (GERA), que trabalha para reforçar as capacidades nacionais em M&A do país, com capacitações e atualizações de profissionais do setor, também realizar atividades independentes de avaliação.

“Quase todas as avaliações em Cabo Verde são protagonizadas e conduzidas por doadores e parceiros de desenvolvimento. Nossa ambição é fazer uma avaliação independente nacional. Por essa razão, o tópico fundamental do Gera até este momento tem sido o reforço de capacidades dos seus membros para criarmos o potencial de ação que consiga ter iniciativas de avaliação de políticas, programas e projetos”, explica Borges.

Victor Borges, criador do Grupo de Estudos e Reflexão sobre Avaliação (Gera) de Cabo Verde. Foto: Arquivo pessoal.

Quando fala em construção de capacidades em M&A, ele sublinha seu maior foco: capacitação e qualificação dos profissionais envolvidos com monitoramento e avaliação. “É preciso dizer que para muitos dos membros do Gera, a avaliação, o domínio de técnicas e metodologias de avaliação são ainda desafios atuais. Portanto, estamos numa lógica de criação de capacidades de M&A, que demanda muita capacitação, uma questão fundamental.” Recentemente, o mais de 70 pessoas passaram pelas atividades de formação do Gera e cerca de 30 profissionais de diferentes áreas do M&A se engajam de maneira mais regular às iniciativas do grupo.

Borges acredita que a formação profissional deva ser uma prioridade para governo e legisladores de Cabo Verde. “A classe política precisa entender de forma efetiva a importância da capacitação permanente dos agentes públicos. Nós sabemos que a maior parte das coisas feitas na administração pública — também no setor privado ou em organizações da sociedade civil — não são atividades que correspondam aos conteúdos programáticos das formações acadêmicas tradicionais. Em primeiro lugar, precisamos desse entendimento, de que é preciso a capacitação permanente no setor público. Depois é preciso ter um plano coerente, consistente, de capacitação, de longo alcance. Um plano para envolver estruturas do governo, prestadores de serviço privados, organizações da sociedade civil e meio acadêmico”, avalia Borges.

Ele ressalta ainda a importância da disseminação de conhecimentos. “Serve para que nossos membros progridam no seu desenvolvimento e domínio de metodologias e técnicas de avaliação. É verdade que recebemos uma machadada enorme com a pandemia de covid-19, porque não pudemos fazer os nossos encontros presenciais e a internet, o Zoom, o Teams, seja lá qual for a plataforma, que representam ganhos em contextos de crise ou fora de crise, não substituem completamente as relações humanas diretas”, pondera o cabo-verdiano.

Mais informações

Conheça algumas iniciativas do FGV EESP Clear na África Lusófona para fortalecer o ecossistema de M&A na região:

 

 

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