Práticas de monitoramento e avaliação em Moçambique: avanços e desafios
Rogerio Salvador Muteto
Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (SP) e graduado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de RI de Moçambique. Participou do programa Jovem Avaliador do FGV CLEAR na edição 2024/2025.
O presente artigo surge no âmbito do programa “Aprendizagem prática para avaliadores jovens e emergentes de Moçambique”, que prevê a elaboração de uma publicação como resultado da experiência adquirida ao longo do programa. Assim, com base na revisão da literatura e observação participante, de forma resumida, faz-se uma retrospectiva histórica sobre as práticas de monitoramento e avaliação em Moçambique, bem como os principais avanços e desafios nesta área.
Retrospectiva histórica resumida sobre as práticas de monitoramento e avaliação na República de Moçambique
Em Moçambique, os processos de restruturação de políticas públicas e avanços nas práticas de monitoramento e avaliação configuram-se como desenvolvimentos relativamente recentes. Esses avanços estão associados a múltiplos fatores, entre os quais se destacam a intensificação da ajuda externa de organismos internacionais, a implementação de reformas estruturais e o processo de democratização do Estado moçambicano, ocorridas especialmente entre o final da década 80 e princípio da década 90. Nesse contexto, desenvolve-se a compreensão de que caberia ao Estado, simultaneamente, promover a abertura política para o pluralismo político e reformular os processos de produção de políticas públicas, com vista a ampliar sua eficiência, eficácia e efetividade na mitigação da pobreza absoluta – particularmente no período pós-guerra civil (SIMIONE, 2015; 2014; MPD, 2010).
Como resposta às especificidades do contexto local, foram formuladas estratégias de redução da pobreza ao longo dos seis ciclos de governança, compreendidos entre 1995 a 2024. Tais estratégias e planos incorporavam prioridades de desenvolvimento nacional, bem como ações, metas e indicadores, o que gerou a necessidade de produção sistemática de estudos e relatórios. Destacam-se, nesse processo, as Pesquisas (Inquéritos) sobre o Orçamento Familiar e outros estudos estatísticos elaborados pelo Ministério de Planeamento e Finanças, em colaboração com o Instituto Nacional de Estatística (INE), Organizações da Sociedade Civil e agências internacionais, com o objetivo de aferir a eficácia e efetividade das estratégias implementadas.
Embora o período inicial dessas estratégias (1995 a 2004), não represente avanços consideráveis em termos de sistemas de monitoramento e avaliação, a produção e disseminação de estudos e pesquisas (inquéritos) indicavam uma crescente valorização do uso de evidências no País no acompanhamento de políticas públicas. A partir desse reconhecimento, as abordagens de monitoramento e avaliação foram gradualmente aprimoradas, tanto no nível da coordenação central — sob responsabilidade do Ministério de Planeamento e Desenvolvimento (MPD) — quanto nas unidades intermediárias e locais encarregadas da implementação das políticas públicas setoriais em diferentes escalões de governo.
Avanços na área de monitoramento e avaliação
Os primeiros avanços das práticas de monitoramento em Moçambique estão associados à institucionalização da capacidade estatística nacional, concretizada com a criação do Sistema Estatístico Nacional (SEN) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1996 (MOÇAMBIQUE, 1996). A partir da constituição desses órgãos, o país passou a contar com um sistema de informação estatística, elemento considerado essencial para o desenvolvimento de práticas de monitoramento e avaliação de políticas públicas (M&A) orientadas por evidências (DARGENT et al, 2018).
O segundo avanço, voltado especificamente à área de avaliação, foi a criação do Ministério de Planificação e Desenvolvimento, em 2005, através do Departamento de Monitoramento e Avaliação, (MOÇAMBIQUE, 2010), que passou a ser designado, em 2015, como Direcção Nacional de Monitoria e Avaliação (MOÇAMBIQUE, 2015).
O terceiro avanço refere-se ao fortalecimento normativo trazido pela promulgação da Lei nº14/2020, de 23 de dezembro, no contexto da revisão da Lei nº 9/2002, de 12 de fevereiro, que instituiu o Sistema de Administração Financeira do Estado (E-SISTAFE). Complementarmente, o Regulamento nº 26/2021, de 3 de maio, introduz formalmente o subsistema de monitoramento e avaliação, conferindo-lhe atribuições estratégicas como a elaboração de normas e procedimentos para a implantação do deste subsistema, a proposição do manual de monitoramento e avaliação, a realização de estudos e pesquisas, a definição de recomendações para a melhoria do desempenho das politicas públicas, a divulgação de metodologias de monitoramento e avaliação e a elaboração de relatórios e balanços dos planos económicos e sociais e do orçamento do Estado.
Desafios nas práticas de monitoramento e avaliação
A introdução de práticas de monitoramento e avaliação em Moçambique tem contribuído para avanços significativos na gestão pública, embora ainda enfrente desafios estruturais relevantes. O primeiro desafio diz respeito à necessidade de garantir maior consistência institucional no âmbito ministerial. As sucessivas reestruturações ao longo dos diferentes ciclos de governança, pode gerar impactos negativos tanto na estabilidade técnico-institucional quanto na continuidade das metodologias aplicadas. O segundo desafio refere-se à urgência de fortalecimento da capacidade técnica nas unidades intermediárias (ministérios setoriais) e nos órgãos subnacionais. Enquanto o Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD), responsável pela coordenação central, demonstra consolidação institucional e protagonismo metodológico, não se observa o mesmo, de forma homogênea, nos governos provinciais e municipais.
Por fim, destaca-se a necessidade de reforçar o comprometimento na adoção de práticas de M&A pôr todas as instituições do Estado, conforme orientações de um manual técnico que unifique as práticas de avaliação para o nível central e descentralizado no país. O que leva a consolidação de uma cultura institucional orientada por evidências.
Referências
DARGENT, E. et al. A quem importa saber? Economia política da capacidade estatística. New York City: BIB, 2018.
MPD. 2010. Moçambique: Avaliação da Declaração de Paris. Maputo
MOÇAMBIQUE. Decreto Presidencial nr. 3/2010, de 19 de Março: define as atribuições do Ministério de Planificação e Desenvolvimento e revoga o Decreto Presidencial nr. 23/2005, de 27 de Abril. Boletim da Republica. Imprensa Nacional de Moçambique. Maputo
MOÇAMBIQUE. Lei nr.14/2020, de 23 de Dezembro: estabelece os princípios, normas, organização e funcionamento da Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE). Boletim da Republica. Imprensa Nacional de Moçambique. Maputo
MOÇAMBIQUE. Lei nº 7/96, de 5 de julho. Regulamenta o funcionamento do SEN. Disponível em: https://www.ine.gov.mz.
SIMIONE, A, A. A modernização da gestão e a governança no setor público em Moçambique. Rio de Janeiro: Revista Administração Pública, v. 48, n. 3, p. 551–570, 2014.
SIMIONE, A, A. Planejamento do Sector Público em Moçambique. Maputo: Claretiano – Centro Universitário, 2015.