Impactos das mudanças climáticas são desafio para a gestão pública e devem se agravar nos próximos anos

11 de outubro de 2022 - 6 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

Tags: aquecimento global Avaliação clima crise climática impactos M&A Monitoramento Mudanças climáticas planeta

Patrícia Amadi Oliveira, doutoranda na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) e assistente de pesquisa no FGV EESP Clear.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) indica mais de 50% de chance de a temperatura global continuar aumentando nos próximos anos, atingindo ou excedendo um crescimento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. E isso deve ocorrer ainda no curto prazo mesmo para o cenário otimista de emissões de gases de efeito estufa muito baixas.

O relatório aponta consequências negativas severas advindas das mudanças climáticas. O aquecimento global pode causar alterações tanto nos padrões climáticos como na incidência de eventos climáticos extremos, como furacões, secas, inundações e ondas de calor, com implicações sobre muitos setores. Os estudos de cientistas de diversos campos reunidos pelo IPCC ajudam a dar uma dimensão dos impactos globais e regionais sobre o meio-ambiente e as atividades humanas.

Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) combate incêndio na Floresta Nacional de Brasília. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

Para a construção de políticas públicas apropriadas para lidar com um cenário de mudanças climáticas, é necessária uma compreensão de suas potenciais consequências econômicas. Assim, é possível ter melhor entendimento sobre os setores e indivíduos mais vulneráveis, uma melhor gestão pública e o desenho mais eficiente de programas de adaptação e mitigação.

E quais são esses impactos?

A literatura econômica empírica tem se debruçado sobre a questão climática e hoje é possível encontrar diversos estudos sobre os possíveis impactos do aquecimento global do ponto de vista econômico. Reunimos neste post alguns dos principais estudos neste campo. Parte deste trabalho provém de análises históricas dos efeitos das variações climáticas em um conjunto de variáveis, com algumas análises projetando os resultados futuros do aumento da temperatura.

Crescimento econômico: Estudos apontam que temperaturas mais altas reduzem substancialmente o crescimento econômico, mas apenas em países pobres, por eles estarem mais vulneráveis às variabilidades climáticas.

    • Os pesquisadores Melissa Dell, Benjamin Jones e Benjamin Olken, no artigo Temperature Shocks and Economic Growth demonstram que um aumento de 1°C em um determinado ano reduz a renda per capita em 1,4% dos países.
    • As análises empíricas do Fundo Monetário Internacional (FMI), no estudo The effects of weather shocks on economic activity, confirmam a relação entre aumento da temperatura e crescimento econômico per capita. Em países com temperaturas médias elevadas (maior parte dos países em desenvolvimento), o aumento da temperatura amortece a atividade econômica, ao passo que tem o efeito oposto em climas muito mais frios (que representam a maioria dos países desenvolvidos).

Produção agrícola: O setor agrícola é o mais dependente de variáveis como temperatura e precipitação, fazendo deste um setor especialmente sensível às alterações ambientais.

    • Os cientistas David Lobell, Wolfram Schlenker e Justin Costa-Roberts avaliaram o impacto das tendências climáticas (temperatura e precipitação) sobre os rendimentos das principais culturas – milho, trigo, soja e arroz – para o período 1980-2008 em todos os países do mundo. Vale lembrar que essas quatro culturas constituem cerca de 75% das calorias que seres-humanos consomem direta ou indiretamente. Os modelos indicam que a produção global de milho e trigo diminui 3,8 e 5,5%, respectivamente, em relação a um cenário sem mudanças climáticas. Para soja e arroz, os efeitos se equilibram. Os autores também apontaram que mudanças climáticas foram grandes o suficiente em alguns países para compensar parte significativa dos aumentos nos rendimentos médios advinda da adoção de novas tecnologia e do uso de fertilizantes.
    • Wolfram Schlenker e Michael Roberts, em artigo publicado na Revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, examinaram a relação entre clima e produtividade para as três culturas com maior valor de produção nos Estados Unidos: milho, soja e algodão. O milho e a soja são a fonte predominante de grãos para ração usada na pecuária. A análise prevê que os rendimentos diminuam entre 30 e 46% antes do final do século sob o cenário de aquecimento mais lento, com declínio de 63 a 82% no cenário de aquecimento mais rápido.
    • Em um contexto de países pobres, Schlenker e Lobell evidenciam que as temperaturas mais altas sob o cenário de aquecimento global na África Subsaariana tendem a reduzir a produção de muitas culturas agrícolas em meados do século, entre 8% e 22%. Já uma análise sobre o pior cenário, indica perdas severas entre 27 e 32%.

Produção industrial: Assim como ocorre no setor agrícola, também foi observada uma relação entre o aquecimento global e a produtividade das indústrias:

    • Tanto o já mencionado estudo do FMI quanto os pesquisadores Marshall Burke, Solomon Hsiang e Edward Miguel indicam que a produção industrial também é prejudicada à medida que as temperaturas aumentam em países com climas quentes.
    • E no trabalho já citado acima, Dell, Jones e Olken encontram que a produção industrial anual apresenta perdas de 2% para cada aumento de 1°C, mas o efeito é apenas em países pobres.

Produtividade do trabalho: O impacto sobre a produtividade do trabalho é importante, porque esta pode ser um canal pelo qual o aumento da temperatura pode afetar o Produto Interno Bruto (PIB) agregado. Estudos encontram que a exposição ao calor acima de um certo ponto reduz o desempenho das pessoas em tarefas cognitivas e físicas.

    • O estudo de Olli Seppänen, William Fisk e Quanhong Lei relata uma perda de produtividade de cerca de 2% para cada aumento de 1°C na temperatura acima de 25°C.
    • Já a análise setorial no nível dos países feita pelo FMI demostra que a produtividade dos trabalhadores das indústrias expostas ao calor cai significativamente após um aumento da temperatura.

Saúde: Como é possível imaginar, alterações de temperatura e eventos climáticos extremos também afetam a saúde dos seres-humanos, de acordo com dados.

Demanda de Energia: Também foi observada a relação entre mudanças climáticas e a demanda por energia.

    • Os estudos de Deschênes e Greenstone, já mencionado, e a pesquisa de Auffhammer e Aroonruengsawat encontram que aquecimento ao longo do século XXI provavelmente aumentará a demanda de energia em 11% e 3%, respectivamente.

Os potenciais impactos negativos aqui reunidos revelam que as mudanças climáticas representam uma potencial limitação e ameaça ao desenvolvimento econômico, principalmente para as localidades mais pobres. Neste contexto, para que as políticas de adaptação e mitigação sejam desenhadas e implementadas da forma mais apropriada e com menores custos é necessário a construção de evidências, com a finalidade de entendermos as melhores estratégias de enfretamento.

As ferramentas de monitoramento e avaliação (M&A) podem ser utilizadas para conseguirmos, por exemplo, mensurar os impactos econômicos, identificar setores e indivíduos mais vulneráveis, construir políticas custo-eficientes de acordo com o contexto social e econômico de cada região. Tais atividades são fundamentais para uma gestão mais eficiente diante dos desafios climáticos e para construir economias mais sustentáveis ao mesmo tempo em que se garante o desenvolvimento econômico.

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