Dia Internacional das Mulheres: evidências apontam caminhos para reduzir desigualdades de gênero

08 de março de 2023 - 8 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

Tags: desigualdade Dia Internacional das Mulheres evidências Gênero Mulheres síntese

Gabriel Weber Costa, pesquisador do FGV EESP CLEAR

Marina Lafer, pesquisadora do FGV EESP CLEAR

Hugo Carvalho, assistente de pesquisa do FGV EESP CLEAR

O Dia Internacional das Mulheres é comemorado em 8 de março de cada ano. A data tem origem nas lutas das mulheres por melhores condições de vida e trabalho, bem como pelo direito ao voto e à participação política. Oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, tem como objetivo chamar a atenção para as questões de igualdade de gênero e direitos das mulheres em todo o mundo.  

A ONU estabelece em seu Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, definindo nove metas e 14 indicadores para monitorar o seu alcance até 2030. Embora alguns países tenham avançado significativamente nessa agenda, ainda há muito trabalho a ser feito.  

Por exemplo, apesar da comparativamente baixa mortalidade materna em Cabo Verde (58/10.000 nascimentos, comparados à média mundial de 225/10.000), da quase paridade da participação no mercado de trabalho em Moçambique (77,7% feminina e 78,9% masculina, em pessoas acima de 15 anos de idade) e da maior incidência de educação secundária no Brasil (62,4% feminina e 59,1% masculina, em pessoas acima de 25 anos de idade)1, as mulheres ainda enfrentam muitas barreiras para alcançar a igualdade de gênero.  

Os últimos valores (de 2021) do Índice de Desigualdade de Gênero (GII), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a partir de indicadores de saúde, educação, participação política e mercado de trabalho, constatam a necessidade de se avançar nessa agenda no Brasil e na África Lusófona. 

Nesse contexto, políticas públicas que promovem a igualdade de gênero se mostram cada vez mais importantes. A literatura econômica tem investigado essa problemática, sendo possível hoje encontrar estudos que apresentam evidências de possíveis caminhos para endereçar o problema. Entretanto, a revisão sistemática em “Promoting Gender Equality: A Systematic Review of Interventions” sugere que boa parte das intervenções que buscam reduzir a desigualdade de gênero não consegue gerar as mudanças pretendidas no nível macro, alcançando apenas benefícios parciais.  

Similarmente, “Strengthening women’s empowerment and gender equality in fragile contexts towards peaceful and inclusive societies” traz uma revisão sistemática de 104 estudos sobre intervenções visando à igualdade de gênero. Nesse caso, os autores encontram que boa parte das intervenções consegue gerar mudanças em resultados primários, como a renda, o uso de serviços financeiros e participação em processos políticos locais, mas não em resultados comportamentais mais complexos, como violência conjugal e apoio comunitário aos direitos da mulher. Os autores concluem, por fim, que programas com este objetivo devem ser pensados cuidadosamente e adaptados para as especificidades das relações e estruturas sociais de cada contexto.

Na sequência, destacamos algumas das principais revisões sistemáticas temáticas sobre o assunto, abordando quatro áreas: educação, saúde, proteção social e esportes.

Educação

Em uma revisão com quatro estudos sobre como características de diferentes sistemas educacionais afetam a desigualdade de gênero, os autores apontam que aumentar a padronização, tanto através da realização de testes nacionais como da redução da variação de abordagem entre professores, reduz a lacuna de desempenho em matemática entre meninos e meninas. 

Outra revisão sistemática indica que intervenções como a provisão de itens de higiene pessoal e de uniformes escolares têm potencial de redução do absenteísmo entre meninas, além de reduzir evasão escolar e ocorrência de casamentos precoces e gravidezes precoces em contextos vulneráveis. 

Por fim, um terceiro estudo publicado no ano passado sumariza efeitos positivos para mulheres sobre diversas dimensões, advindos de programas de Educação e Formação Técnica e Profissional, como o aumento do acesso a crédito, aumento da capacidade empreendedora, redução de casamentos forçados e casamentos precoces, aumento da representatividade política e melhoria da autoconfiança.  

Saúde 

Uma revisão sistemática analisou 59 avaliações de programas que tinham como objetivo reduzir as desigualdades de gênero e melhorar a saúde e o bem-estar. Entre os estudos considerados, os autores encontraram que 74% deles apresentaram melhorias em indicadores de saúde e gênero, incluindo, por exemplo, conhecimento sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e métodos contraceptivos, mudanças comportamentais como a prática de exercícios físicos, amamentação e redução do uso de drogas e aumento no uso de serviços de saúde. Além de resultados sobre conhecimentos e comportamentos, também foram reportadas a redução da incidência de gravidezes não planejadas, de infecções por HIV e mutilações genitais, entre outras. 

Exemplos de intervenções que geraram estes efeitos incluem a implantação de currículos de educação sexual nas escolas, capacitação de professores, acesso a serviços de saúde, campanhas de mídia (disseminação de informação através de workshops, visitas domiciliares, panfletos e atividades comunitárias) e programas de treinamento para líderes comunitários. 

As evidências apontam que programas que visam a melhorar a saúde sexual e reprodutiva de jovens em idade escolar e prevenir doenças sexualmente transmissíveis, além de abordar questões sociais e culturais que afetam a saúde sexual e reprodutiva, podem ter um impacto significativo na desigualdade de gênero e na saúde, especialmente entre jovens. 

Proteção Social  

Através de uma revisão de 70 revisões sistemáticas que sumarizaram estudos sobre os efeitos de intervenções na área de proteção social sobre resultados relacionados à agenda de desigualdade de gênero, como o empoderamento feminino, saúde, educação, saúde mental e segurança, um estudo publicado em 2022 conclui que programas de proteção social tendem a ter maior impacto sobre as mulheres, em comparação a pessoas do sexo masculino. 

Segundo a revisão, programas na área de assistência social podem gerar mudanças em resultados de mercado de trabalho e resultados escolares, como aumento da frequência escolar. Também aumentam a procura por serviços de saúde e o uso de métodos contraceptivos e reduzem a incidência de gravidezes não planejadas e sintomas de ISTs. De forma mais abrangente, programas de seguridade social geram aumento no uso de serviços de saúde sexual e reprodutiva, levando também à melhoria das atitudes com relação ao planejamento familiar e início precoce da amamentação. Por fim, programas de mercado de trabalho aumentam a participação feminina na força de trabalho, além de elevarem capacidade de ganhos e poupança das mulheres, entre outros benefícios. Estes também impactam positivamente resultados de saúde sexual e reprodutiva. 

Resultados de programas de transferência de renda, um tipo de programa de proteção social, também foram revisados em um estudo já mencionado, que confirma alguns dos impactos positivos desse tipo de programa mencionados anteriormente. Nesse caso, os autores também reportam que intervenções de transferência de renda geram, por exemplo, uma redução da tolerância à violência de gênero e um aumento da representação política de mulheres. Entretanto, os autores ressaltam que não encontram efeitos de transferências de renda sobre questões mais complexas, como o controle da mulher sobre seu corpo, participação em processos de tomada de decisão e frequência de casos de violência.  

Como ressaltado no estudo “Impact of social protection on gender equality in low- and middle-income countries”, a adesão das mulheres a esses programas muitas vezes depende do apoio que recebem de membros da família. As normas de gênero em relação à liberdade, à desaprovação das escolhas das mulheres, à descrença em suas habilidades e à capacidade limitada de tomada de decisão dentro de casa também são barreiras importantes para sua adesão aos programas de proteção social. 

Esportes 

Foto: Agência USP.

As evidências mostram que os programas esportivos contribuem para a igualdade de gênero e empoderamento de mulheres e jovens. Os resultados indicam que a prática de esportes pode trazer uma série de benefícios para as participantes, incluindo maior autoconfiança, autoestima, autodeterminação e habilidades de liderança. Além disso, o esporte pode ajudar as mulheres e jovens a questionar e desafiar as normas de gênero, aumentando sua consciência crítica e promovendo uma maior igualdade de gênero.  

Uma revisão sistemática analisou 15 estudos e destacou a importância do esporte como uma ferramenta para empoderar mulheres e jovens, ajudando-as a desafiar as normas sociais de gênero vigentes e a superar desigualdades. Os estudos também enfatizam a importância de criar um ambiente seguro e inclusivo para incentivar a adesão.

Evidências para combater desigualdades

A celebração do Dia Internacional da Mulher é uma ocasião relevante para refletir sobre as conquistas das mulheres em suas batalhas por direitos e igualdade de gênero. Apesar de todo o progresso alcançado em relação a essa pauta, ainda há muito a ser feito. É imprescindível a implementação de políticas públicas que incentivem a igualdade de gênero, porém, estas devem ser planejadas de forma a superar as peculiaridades de cada contexto.  

A realização de revisões temáticas sistemáticas em áreas como educação, saúde, proteção social e esporte apresenta evidências de possíveis soluções para o problema. A despeito de algumas intervenções terem sido bem-sucedidas em alcançar avanços significativos em indicadores selecionados, é crucial ponderar a necessidade de mudanças de comportamento mais complexas e abrangentes. Por fim, é fundamental que continuemos lutando por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres e meninas.

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