A Lente de Gênero: Uma Mudança Necessária de Perspectiva para Desenvolvimento e Avaliação

28 de fevereiro de 2024 - 8 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

Tags: Avaliação Banco Mundial desigualdade Gênero M&A

Para comemorar o 50º aniversário do Grupo de Avaliação Independente (IEG, na sigla em inglês) do Banco Mundial, a Iniciativa de Avaliação Global (GEI) hospedou várias conversas com especialistas sobre “Future-Proofing National Evaluation Systems”. Escrito por Maria Fyodorova, consultora de comunicação da GEI, este texto é baseado em uma dessas conversas, entre Dugan Fraser, Gerente de Programa da GEI, e Elena Bardasi, Economista Sênior do IEG, sendo publicado originalmente em inglês no blog da GEI.

Tratar das desigualdades de gênero requer uma mudança de perspectiva entre quem atua com desenvolvimento, monitoramento e avaliação (M&A) e formuladores de políticas passando do foco nas atividades de intervenção para a atenção das necessidades dos beneficiários. O Banco Mundial tem demonstrado maior atenção às questões de gênero, resultando em mudanças positivas na capacitação, desenvolvimento de habilidades e desenho de projetos em toda a instituição. Apesar dos avanços, desafios persistem na implementação. Os formuladores de políticas públicas também enfrentam obstáculos para abordar efetivamente as desigualdades de gênero, incluindo a falta de disponibilidade e subutilização de dados de gênero, ausência de agendas políticas robustas e complexidades políticas. A abordagem da Iniciativa Global de Avaliação (GEI, da sigla em inglês) para a desigualdade de gênero se concentra em trabalhar com parceiros governamentais para construir sistemas nacionais robustos de M&A. O objetivo é um sistema no qual os tomadores de decisão reconheçam a importância dos dados e evidências, incluindo os relativos a gênero, e sejam capazes de usá-los para tomada de decisões políticas informadas.

A Lente de Gênero: Uma Mudança de Perspectiva 

Para abordar as desigualdades marcadas pelo gênero, os profissionais de desenvolvimento devem avaliar, de modo sistemático e deliberado, considerando as diferenças no impacto das intervenções para cada grupo, como homens e mulheres, meninos e meninas. Isso requer uma mudança de perspectiva deslocando o foco das atividades para os beneficiários guiada por uma pergunta fundamental: Quais necessidades estão sendo atendidas?

Essa mudança ajuda a destacar as diferenças sistêmicas na população, que surgem de desequilíbrios de poder e normas culturais. Reconhecer a dinâmica de gênero e o papel da interseccionalidade na geração de desigualdades é crucial para que as intervenções respondam efetivamente às desigualdades de gênero em contextos específicos, bem como ajudem a alinhar os impactos pretendidos com a complexa realidade das necessidades dos beneficiários. 

Da mesma forma, no campo do M&A, às vezes há uma tendência de gerar e depender de dados macro, que agregados não têm granularidade suficiente para refletir as experiências concretas dos participantes de determinado programa ou dos cidadãos em geral. Quando o gênero é integrado a um sistema nacional de M&A, isso estimula as pessoas que atuam na área a se envolverem com as realidades da vida das pessoas, medindo os diversos impactos experimentados por uma população heterogênea.

O Cenário em Evolução no Banco Mundial 

Houve um aumento significativo na atenção e no esforço dedicados à análise e abordagem das questões de gênero no Banco Mundial. Isso é um indicativo do reconhecimento crescente, entre os funcionários e gestão, da importância de entender como as dinâmicas de gênero moldam o desenvolvimento. Essa maior conscientização foi observada na revisão de meio de período da estratégia de gênero realizada pelo Independent Evaluation Group (IEG) em 2021, que mostrou um aumento claro na adoção de gênero como uma preocupação estratégica pela instituição. A instituição conseguiu aumentar com sucesso a capacitação e habilidades relacionadas ao gênero em todo o seu pessoal. Isso resultou em mais funcionários que contribuem para avançar as discussões de gênero dentro de suas respectivas práticas globais. Os projetos também têm visto mudanças positivas – avaliações recentes indicam uma mudança encorajadora para abordagens que visam explicitamente lidar com as causas raiz da desigualdade de gênero (como no relatório do IEG Addressing Gender Inequalities in Countries Affected by Fragility, Conflict, and Violence: An Evaluation of the World Bank Group’s Support, lançado em 2023). No geral, é um passo na direção certa, destacando um esforço coletivo para abordar as desigualdades de gênero de forma mais eficaz em toda a instituição.

No entanto, os desafios persistem na implementação, sendo, às vezes, observados obstáculos devido à falta de um sistema robusto para monitoramento sistemático dos impactos desta fase. Na avaliação dos resultados também se encontra dificuldades, devido à baixa qualidade dos indicadores e, de forma mais geral, à escassez de evidências robustas que demonstrem a realização dos resultados desejados. Além disso, os sistemas de M&A frequentemente documentam as atividades dos projetos e, ocasionalmente mas não sistematicamente os benefícios obtidos pelo público do projeto. Porém, é muito raramente capturado como essas atividades e benefícios se traduzem no avanço da igualdade de gênero no país. 

De fora do Banco Mundial, uma crítica frequentemente direcionada à instituição é a predominância do argumento pela igualdade de gênero como sendo “boa para o crescimento econômico”, em vez de ser valorizada por si só. Tradicionalmente, a instituição tem sido relutante em tratar explicitamente do patriarcado e se engajar em um discurso feminista. No entanto, a situação está mudando, e o Banco Mundial, recentemente, tem tomado medidas importantes. Por exemplo, a violência de gênero é abordada sistematicamente nas operações como parte das suas Políticas de Salvaguarda, mas também cada vez mais como um objetivo. Desde 2016, o Banco Mundial vem desenvolvendo uma agenda de inclusão e não discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero, que será integrada na nova estratégia de gênero que está por vir. O cenário em evolução sugere que a instituição está gradualmente navegando nessas discussões difíceis, talvez em resposta a um cenário de mudança na sociedade e no panorama dos clientes, que valorizam cada vez mais os benefícios econômicos e sociais de tais considerações. 

Desafios Persistentes em Torno do Desenvolvimento Sustentável, M&A e Gênero

Embora tenha havido uma crescente conscientização da necessidade de abordar as desigualdades de gênero e um maior foco na coleta de dados sobre esse aspecto, em muitos casos, quando disponíveis, os dados não são efetivamente utilizados. Um grande desafio pode ser a falta de uma agenda política robusta que esboce explicitamente como a igualdade de gênero será alcançada no nível do projeto, programa e país, além de definir o papel da evidência na avaliação. Infelizmente, esse contexto envolve o mundo político, o compromisso das pessoas no poder e o quanto elas estão confortáveis com a transformação.

Além disso, a disponibilidade de dados, mesmo os agregados por sexo, continua sendo um desafio em muitos países. Um relatório recente da Data2X destacou lacunas na acessibilidade de dados de gênero, indicando que muitos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) carecem de dados desagregados por sexo. Aproximadamente um terço dos casos revisados pelos autores do relatório mostrou uma ausência total de indicadores específicos de gênero, ressaltando a necessidade de trabalho neste nível fundamental. Ainda, como visto na pandemia, a atualização em tempo real dos sistemas é essencial para entender e responder a situações na área da saúde e educação, mercados de trabalho e questões de gênero. O objetivo não é apenas produzir dados, mas garantir a sua aplicação oportuna e relevante.

Como a GEI está Integrando o Gênero em seu Trabalho

A abordagem da GEI para apoiar o fortalecimento dos sistemas nacionais de M&A reconhece que uma lente responsiva de gênero aumenta a autenticidade e a eficácia desses sistemas. A adoção de uma lente de gênero amplia a atenção para além da gestão baseada em resultados abstratos a fim de garantir que as questões reais que impactam as pessoas sejam consideradas. Ao reconhecer as diferentes necessidades, comportamentos, restrições e aspirações de mulheres, homens, meninas e meninos, os sistemas de M&A podem capturar a heterogeneidade da população e os impactos distributivos de políticas e programas. 

O método da GEI reside em apoiar o desenvolvimento de sistemas nacionais de M&A funcionais, em vez de advogar explicitamente pela coleta de dados focada em gênero. O objetivo é garantir que todo sistema de M&A possa lidar de forma competente para fornecer aos formuladores de políticas informações, a partir de dados relacionados a gênero, fragilidade social, clima e outras questões urgentes.

A perspectiva delineada pela Global Affairs Canada (GAC), um financiador da GEI, em seu Quadro de Política de Assistência Externa Feminista tem moldado a abordagem da GEI. O projeto recentemente lançado pela GEI, Feminist Innovations in Monitoring and Evaluation (FIME), está alinhado com a perspectiva da GAC de que capacitar meninas e mulheres é fundamental para construir um mundo próspero, seguro e inclusivo, trabalhando rumo à igualdade de gênero. O FIME examinará as práticas atuais relacionadas ao gênero dentro dos sistemas nacionais de M&A. Ao envolver-se em conversas com os parceiros da GEI, o projeto visa entender como a questão de gênero é tratado e integrado em seus trabalhos. A GEI usará esses dados para propor maneiras de ampliar o papel do gênero nos esforços pela sua rede para fortalecer os sistemas nacionais de monitoramento e avaliação.

Acesse a versão original em inglês deste texto, além de outros sobre M&A no site da GEI em: https://www.globalevaluationinitiative.org/blog/gender-lens-necessary-shift-perspective-development-and-evaluation

 

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