A aplicação da lente de gênero em avaliação de políticas públicas

08 de março de 2024 - 6 min de leitura

por: Equipe FGV Clear

Tags: Avaliação Ciclo da política pública desigualdade Gênero ODS

Marília Firmiano, pesquisadora no FGV EESP CLEAR e doutoranda em economia na Universidade Federal do Ceará (UFC).

A situação de desigualdade de gênero constitui um dos principais desafios contemporâneos, sendo o alcance da igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS 5). Entre as suas metas, o ODS 5 foca em adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis. 

O tema gênero foi pauta do encontro sobre “Future-Proofing National Evaluation Systems”, em que especialistas da Iniciativa Global de Avaliação (GEI, da sigla em inglês) e do Grupo de Avaliação Independente (IEG, na sigla em inglês) do Banco Mundial debateram sobre a necessidade de mudança de perspectivas tanto para quem atua no desenvolvimento de M&A, quanto para formuladores de políticas.   

Para estabelecer a adoção e o fortalecimento de políticas sólidas no sentido da promoção da igualdade de gênero, faz-se necessário o uso da prática da gestão com base em evidências e, portanto, o uso de instrumentos como o monitoramento e avaliação (M&A), que fornecem informações relevantes para tomada de decisão. Contribuindo para esta agenda, o FGV EESP CLEAR atua apoiando o desenvolvimento de sistemas e estruturas sustentáveis de monitoramento e avaliação (M&A) no Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. 

Saiba mais sobre a desigualdade de gênero em: https://fgvclear.org/dia-internacional-das-mulheres-evidencias-apontam-caminhos-para-reduzir-desigualdades-de-genero/ 

As avaliações responsivas ao gênero são avaliações que buscam verificar a integração da perspectiva de gênero em uma intervenção, podendo ser aplicável tanto no contexto de intervenções direcionadas para a igualdade de gênero quanto para outros tipos de intervenções, que não estão necessariamente destinadas a promover a igualdade de gênero.

A ONU Mulheres, em sua publicação UN Women Evaluation Handbook: How to manage gender-responsive evaluation (2022), afirma que este tipo de avaliação promove a responsabilização pela igualdade de gênero, pelos direitos humanos e pelos compromissos de empoderamento das mulheres, fornecendo informações sobre como os programas de desenvolvimento estão afetando homens e mulheres de forma diferente e contribuindo para o cumprimento desses compromissos.  

Essas avaliações que são marcadas pelo gênero podem evidenciar, por exemplo, efeitos não intencionais, além de apontar possíveis achados de como abordar a desigualdade de gênero. Para tanto é necessário que a percepção de gênero tenha sido integrada nas etapas do ciclo da política pública, desde a formulação até a implementação.  

A perspectiva de gênero pode ser integrada, por exemplo, na etapa de identificação do problema, com a realização de uma análise para compreender como o problema afeta os diferentes gêneros; na etapa de desenho com a previsão de indicadores de resultados e/ou impactos relacionados a gênero; e, ainda, durante a etapa de implementação, com o acompanhamento de indicadores relacionados a gênero.

As avaliações responsivas ao gênero devem também conter tal abordagem em sua gestão, ou seja, promover a inclusão e linguagem sensível ao gênero desde o seu planejamento até a comunicação dos seus resultados.

Os critérios da OCDE e a questão de gênero 

Com vistas a reforçar a relevância do tema igualdade de gênero, em 2023, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou o documento “Applying a human Rights and Gender Equality Lens to the OECD Assessment Criteria. Este documento orienta os avaliadores sobre como utilizar os critérios de avaliação no contexto dos direitos humanos e de igualdade de gênero, conforme exemplos a seguir: 

  • Relevância: reflete sobre se a intervenção está fazendo as coisas certas. Na perspectiva da igualdade de gênero, avaliar a relevância envolve por exemplo considerar até que ponto os contextos sociais sobre igualdade de gênero foram considerados na concepção da intervenção (OECD, 2023, p.23). 
  • Coerência: pondera em que medida a intervenção é compatível com outras. Na perspectiva de gênero, tal critério avaliaria por exemplo até que ponto a intervenção é coerente com os compromissos globais para o alcance da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres (OECD, 2023, p.31). 
  • Eficácia: busca verificar se a intervenção está atingindo seus objetivos. Na perspectiva da questão de gênero, poderia avaliar se a intervenção alcançou resultados inclusivos e se houve resultados diferenciais para diferentes grupos, como exemplo o de mulheres (OECD, 2023, p.39). 
  • Eficiência: traz como questão se os recursos estão sendo utilizados adequadamente. No âmbito da questão de gênero, teria como exemplo de pergunta avaliativa, se foram atribuídos recursos adicionais para integrar a igualdade de gênero na intervenção? (OECD, 2023, p.44). 
  • Impacto: reflete como o programa muda a situação à qual ele está́ tentando responder. Desta forma, um tipo de pergunta avaliativa, no contexto de igualdade de gênero, questionaria se houve alguma diferença nos impactos relacionados a gênero ou se a intervenção teve algum impacto inesperado relacionado à gênero (OECD, 2023, p.50). 
  • Sustentabilidade: avalia se os benefícios do programa serão duradouros. Para gênero, tal critério poderia avaliar se a intervenção teve um efeito impulsionador na criação de um ambiente propício à promoção e realização contínua da igualdade de gênero (OECD, 2023, p.54). 

Além da OCDE outras instituições têm adotado e/ou disseminado boas práticas para o fortalecimento das avaliações responsivas ao gênero. A GEI, em parceria com a Global Affairs Canada (GAC), em 2023, lançou o projeto Feminist Innovation in Monitoring and Evaluation (FIME), com a finalidade de estabelecer práticas transformadoras de gênero na Rede GEI, disseminar abordagens feministas em M&A e estabelecer um repositório global de ferramentas transformadoras de gênero. A ONU Mulheres publicou o relatório UN Women Evaluation Handbook: How to manage gender-responsive evaluation (2022), que tem como público principal a equipe da ONU Mulheres e aborda temas como planejamento, preparação, condução, elaboração de relatórios, utilização e acompanhamento de avaliações.  

Apesar dos desafios enfrentados, é encorajador observar a disseminação dessas iniciativas em prol dessa agenda crucial. Diante da necessidade de promover mudanças de percepção quanto à igualdade de gênero, é fundamental a integração responsiva ao gênero tanto no desenho de políticas públicas quanto nas avaliações para impulsionar transformações na sociedade.

SAIBA MAIS 
  • Confira sobre os avanços e desafios do Banco Mundial na avaliação responsiva a gênero neste post. 
  • Se aprofunde nos critérios de avaliação da OCDE no ciclo da política pública nesta nossa série. 

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